Laureado senador

Pululam na literatura exemplos de pessoas que nela enveredaram para expressarem demandas políticas ou se engajarem em letras e demais armas para disseminar manifestos. Bertold Brecht bradou contra Hitler e conseguiu gritar alto sua repulsa ao regime nazista. Lima Barreto criou o Policarpo e teceu uma cáustica crítica ao Brasil de Floriano Peixoto e demais militares do final do XIX. Contudo, à revelia dos literatos citados, há quem use as letras – e as academias de letras – não necessariamente para criticarem ou romperem com uma dada conjuntura, mas para se manterem estabelecidos.

O novamente senador do Brasil, ex-presidente da república e membro da cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, José Sarney (PMDB-AP), acumula tantas patentes quanto denúncias de corrupção frente à presidência da casa legislativa. Nas últimas semanas o senado e ele mesmo estão amargando por ações no mínimo duvidosas. Contratações irregulares, autoritarismo, nepotismos e silenciamento apenas encabeçam a lista de denúncias que o senador deve responder e se esquivar.

Na última sexta-feira, 26, o Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL), sob a batuta da ex-senadora Heloísa Helena, confirmou que formalizará denúncia a Sarney no Comitê de Ética do Senado. Caso o partido realmente o faça, essa será mais uma prova de fogo para o senador. Auto-declarado autor de mais de cem livros, Sarney utiliza seu conhecimento do vernáculo para conseguir, por vias distintas, promover o lulismo de sempre: “não sei”; “não fiz”; “não me é responsabilidade”.

Contudo, a tinta carregada de Sarney não é tão eficaz em outro campo que parece fugir de suas especialidades. Inúmeras ações na internet desafiam a credibilidade deste cidadão de alta patente e surgem como alternativa ao monopólio das rádios, tvs e jornais que possui no Maranhão e em outros protetorados.

No blog Eu Jornalisto, Sarita Bastos divulga as manifestações virtuais, que em determinados momentos foram realizadas inclusive em sincronia com as passeatas nas ruas de São Luiz (MA). No Orkute no Twitter,  sites, comunidades e perfis criam outras ficções – menos áuras por sinal – da carreira e do atual cargo de José Sarney no Congresso. Destaque para as contra-histórias e as descrições que deliberadamente refazem o percurso deste notável político. Com o habital sarcasmo, a Desciclopédia conta uma outra versão da saga de Sarney e familiares.

Brecht criticou Hitler e atacou seu âmago quando minou sua habilidade artística. O anti-nazista chamou o líder alemão de pintor de paredes, contestando sua destreza perante as telas. Brecht acabou exilado, mas manteve seu furor contra o regime. Lima Barreto foi humilhado, preso, internado numa clínica pois queria um Brasil mais digno. Sarney quer apenas se manter com as práticas políticas que herdou do começo do século XX e provavelmente utilizará de toda sua reputação e relevância na literatura (com seus valiosos títulos) para chegar até o fim. Inclue-se aí toda a encenação capciosa e as tentativas de retirar-se do âmago debate. Continue, laureado senador.

Por Marcelo Perilo

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